quarta-feira, outubro 10, 2012

Seu gosto.



Eu lembro o seu gosto em minha boca, guri. Da mesma forma que me lembro daquele seu tênis horroroso e surrado vindo em minha direção enquanto eu estava sentada naquela quadra poliesportiva, dos seus olhos observando-me brincar com a fitinha comprada na última romaria e o embolo de sua voz ao tentar puxar conversa. Eu lembro. De você enlouquecido com a minha calça heavy metal e o meu cabelo Black Power. 

De como você me apoiou quando disse que não conseguia levantar, pois minhas pernas estavam dormentes devido ao tempo em que estive sentada no chão. Lembro da sua cara super interessada com todas as minhas falácias, com o teu olhar atento ao me ouvir dizer que eu era poetisa e a tua insistência para que eu declamasse algum poema. E você venceu. E lá estava eu recitando Soneto de Fidelidade, de Vinícius de Moraes, e você sorriu e beijou minha testa dizendo: “me deixa cuidar de você?” Deixei.

Lembro de você me acordar às 08h da manhã de um domingo para que eu pudesse assistir uma apresentação de fantoches, de você me estender às mãos enquanto caminhávamos em direção a praça, de você me apresentar uma constelação inteira em seus olhos e ver estrelas caindo em um piscar de cílios. Do beijo de fogos de artifícios que até então desconhecia. De dependurar a minha vida em teus longos braços enquanto sentados na calçada você tecia sonhos de pop star. De sonhar um futuro que há nós não pertencia e ainda assim saltar em direção ao abismo esperando que tu viesses atrás.

Eu lembro o seu gosto em minha boca. Às vezes em que eu desejei contar os meses contigo, que o calendário voltasse aos dias felizes e não marcasse jamais o final do mês. Que o mês de Setembro voltasse a ser bonito e não se tornasse para mim um Agosto como Caio escreveu. Que o teu corpo dançasse com o meu debaixo de um luar de Lua Cheia e esplendorosa, que ela iluminasse todos os meus poros e que trôpegos de amor nos déssemos a viver desmedidamente. Que o meu eu te amo fosse capaz de te convencer a ficar. Hoje eu lembro. Só lembro.

terça-feira, outubro 02, 2012

Do amor e suas bobagens.


Ouvi dizer que as praias de Moçambique são belíssimas. Ela suspira enquanto continua a frase: - você poderia escrever cartas e colocar em garrafas jogando-as no mar ou então pode fazer algo mais direcionado, enviar um cartão-postal para seus amigos, de modo que eles pensem: “cara, esse moleque é doido, vai ser comido por leões.” É. Todo mundo acha que o fato de você estar na África te coloca em uma Savana, assim como todos acreditam que morar em Brasília te faz vizinho do Presidente. E então eu tomei uma dose de vodca. E sorri. Não dava para dizer que não iria enviar cartão-postal a ninguém, eu não era dado a manifestações de afeto. Achava aquilo tudo muito falso e sentimentalóide.

– Sim. As praias de Moçambique são lindas. Por fim falei. E enquanto ela acendia mais um cigarro eu pensei: “cara, como é sexy o jeito que ela acende o cigarro.” Estávamos mais ou menos em paz até então. E eu previa que a conversa humorada duraria poucos minutos, tempestade a vista era o que denunciava a cor de seus olhos. Eu lembrava de Alceu Valença, de Zé Ramalho e recordava o movimento estudantil e como ela era bonita quando abraçava alguma causa. Que ela tomava café como alguém que estivera há 3 dias sem tomar água no deserto do Saara. Que por vezes suas unhas escorriam sangue enquanto conversava nervosamente com alguém. E que ela (...) poxa, ela tinha um olho verde e outro castanho.

– Veja se as conchas da África são bonitas e... – Eu não entendia sequer uma palavra. Ela tinha covinha apenas na bochecha esquerda e uma pinta acima dos lábios estilo Marylin Monroe. E meu coração estava batendo, como diz a música, zabumba bumba esquisito dentro do peito. E embora houvesse sinais para ficar. A cabeça, comandante geral, apressou-me os passos e sem dar tempo ao coração agir “desferiu-lhe” em sua testa um beijo de adeus. Afetuoso. Não o suficiente para lhe dizer que eu era seu.